Mundo a duas velocidades
Tive oportunidade de reflectir. Vivemos num mundo a duas velocidades, que tendencialmente se encaminha para um mundo onde é difícil de prevermos o papel que o ser humano ocupará na sociedade. No mundo laboral, somos inundados de emails, onde estamos nas mais diversas funções, ora em conhecimento, ora diretamente, ora de forma confidencial e para cada um destes papeis a nossa resposta tem que ser distinta. É obrigatoriamente distinta. Ler rápido, processar a informação ainda mais rápido, resposta, com conhecimento técnico, experiência. Mas, de que vale a experiência, num mundo que se encontra em constante mudança? A experiência, que entendemos como um investimento na nossa vida, nos dias de hoje e apesar de altamente valorizada no mundo empresarial, deprecia-se a taxas progressivas, no meu entender. A internet, é a nossa base de sabedoria, e o árbitro de desempate em algumas discussões de memória. Assim, que papel desempenhamos na sociedade nos dias de hoje? A tecnologia entrou na minha vida, já em fase de maioridade, ou perto dela, portanto acabei por saber viver com a terra e a vida sem a ter por perto. Recordo essa não dependência. Reconheço que, na vida adulta a tecnologia veio facilitar algumas das tarefas que temos que desempenhar no nosso dia a dia, mas é prejudicial na comunicação entre seres humanos, parece que nos desabituamos de ver alguém olhar para nós, vermos uma sobrancelha levantar, um olho revirar. Num dia normal, analiso as interacções que tenho com pessoas, por um ecrã, com emojis, com balões de fala onde imagino o estado de felicidade ou alegria que a outra pessoa pode ter ao transmitir um boneco a sorrir com lágrimas nos olhos, e os mesmos fechados à chinês. E o triste é que, no meio desta intitulada conversa, nem eu nem o receptor esboçamos certamente um sorriso, contagiado pelo outro, só se individualmente acharmos mesmo piada. E, minutos depois apercebemo-nos que nos estamos a rir para um dispositivo qualquer, criando uma dependência emocional do mesmo. Esta fronteira de comunicação é essencial que esteja presente, constantemente quando estamos com alguém, quando não estamos na segunda velocidade. A minha vida tem duas velocidades. A velocidade da semana, fugaz, onde um email, uma mensagem, substituindo uma conversa, é recebido e respondido e onde falamos rapidamente, num tom monocórdico, com uma comunicação nada delicada, objectiva e crua. Por fim respiramos o ar do fim de semana, o vento, o sol. às vezes nem sabemos bem como o fazer, ou o que fazer, porque não temos um monitor e um teclado, portanto " como é que isto se faz?" Procuramos reduzir a velocidade, quer para o nosso bem estar, quer para podermos acompanhar aqueles que nos rodeiam que parece que, caem todos na mesma letargia de fim de semana. Recordo-me também que, quando era mais nova, os passeantes de domningo me irritavam e não percebia porque é que faziam aquilo: andar de carro a uma velocidade reduzida, a contemplar paisagens, e a seguirem o carro da frente sem se chatearem com o facto de este estar a promover a sua velocidade. Deriva plena, mas controlada pelo transito que todos eles causavam. A tal segunda velocidade, onde procuramos derivar, sentir liberdade, mas na sua plenitude acabamos por não a ter, porque existem tantas avriáveis concretas que contribuem para que ela exista. E a liberdade, é a que cada um elege, para si próprio, e para a sua vida conjugal, ou não vida conjugal. A imensidão da solidão faz-nos aprender a ver a vida, e a saber viver com as duas velocidades, que são tão diferentes uma da outra. Saber viver em realidades diferentes é também uma experiência de vida, diferente, que devemos guardar e reter, por isso mesmo, por ser diferente daquela a que estávamos habituados. E sim, para podermos acompanhar, nos reflexos que nos são exigidos pela tecnologia, não nos podemos esquecer de quão humanos somos, e que há um músculo que, tal como os outros, precisa de descansar e recuperar para ser bem exercitado,e ter a capacidade de constantemente se adaptar as diferentes velocidades que a vida tem para nos oferecer. Estranhamos a mudança, mas com o tempo, sabemos que é por ali que temos que caminhar, aos poucos, como os passeantes de domingo, que tanto adoram a ria de Aveiro. O passado, em certa medida, acaba por ajudar a compreender o futuro, e o presente, tem que ser vivido e absorvido, na sua plenitude e diversidade. Por vezes encontrar a âncora onde o segurar não é de todo fácil, mas também é bom que ande à deriva, até encontrar o porto seguro, onde a ancora vai ser lançada.