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Incompanhia

A companhia dos (in’s) INcerto INcoerente INconstante

Incompanhia

A companhia dos (in’s) INcerto INcoerente INconstante

Mundo a duas velocidades

21.05.17 | Delcy Reis

Tive oportunidade de reflectir. Vivemos num mundo a duas velocidades, que tendencialmente se encaminha para um mundo onde é difícil de prevermos o papel que o ser humano ocupará na sociedade. No mundo laboral, somos inundados de emails, onde estamos nas mais diversas funções, ora em conhecimento, ora diretamente, ora de forma confidencial e para cada um destes papeis a nossa resposta tem que ser distinta. É obrigatoriamente distinta. Ler rápido, processar a informação ainda mais rápido, resposta, com conhecimento técnico, experiência. Mas, de que vale a experiência, num mundo que se encontra em constante mudança? A experiência, que entendemos como um investimento na nossa vida, nos dias de hoje e apesar de altamente valorizada no mundo empresarial, deprecia-se a taxas progressivas, no meu entender. A internet, é a nossa base de sabedoria, e o árbitro de desempate em algumas discussões de memória. Assim, que papel desempenhamos na sociedade nos dias de hoje? A tecnologia entrou na minha vida, já em fase de maioridade, ou perto dela, portanto acabei por saber viver com a terra e a vida sem a ter por perto. Recordo essa não dependência. Reconheço que, na vida adulta a tecnologia veio facilitar algumas das tarefas que temos que desempenhar no nosso dia a dia, mas é prejudicial na comunicação entre seres humanos, parece que nos desabituamos de ver alguém olhar para nós, vermos uma sobrancelha levantar, um olho revirar. Num dia normal, analiso as interacções que tenho com pessoas, por um ecrã, com emojis, com balões de fala onde imagino o estado de felicidade ou alegria que a outra pessoa pode ter ao transmitir um boneco a sorrir com lágrimas nos olhos, e os mesmos fechados à chinês. E o triste é que, no meio desta intitulada conversa, nem eu nem o receptor esboçamos certamente um sorriso, contagiado pelo outro, só se individualmente acharmos mesmo piada. E, minutos depois apercebemo-nos que nos estamos a rir para um dispositivo qualquer, criando uma dependência emocional do mesmo. Esta fronteira de comunicação é essencial que esteja presente, constantemente quando estamos com alguém, quando não estamos na segunda velocidade. A minha vida tem duas velocidades. A velocidade da semana, fugaz, onde um email, uma mensagem, substituindo uma conversa, é recebido e respondido e onde falamos rapidamente, num tom monocórdico, com uma comunicação nada delicada, objectiva e crua. Por fim respiramos o ar do fim de semana, o vento, o sol. às vezes nem sabemos bem como o fazer, ou o que fazer, porque não temos um monitor e um teclado, portanto " como é que isto se faz?" Procuramos reduzir a velocidade, quer para o nosso bem estar, quer para podermos acompanhar aqueles que nos rodeiam que parece que, caem todos na mesma letargia de fim de semana. Recordo-me também que, quando era mais nova, os passeantes de domningo me irritavam e não percebia porque é que faziam aquilo: andar de carro a uma velocidade reduzida, a contemplar paisagens, e a seguirem o carro da frente sem se chatearem com o facto de este estar a promover a sua velocidade. Deriva plena, mas controlada pelo transito que todos eles causavam. A tal segunda velocidade, onde procuramos derivar, sentir liberdade, mas na sua plenitude acabamos por não a ter, porque existem tantas avriáveis concretas que contribuem para que ela exista. E a liberdade, é a que cada um elege, para si próprio, e para a sua vida conjugal, ou não vida conjugal. A imensidão da solidão faz-nos aprender a ver a vida, e a saber viver com as duas velocidades, que são tão diferentes uma da outra. Saber viver em realidades diferentes é também uma experiência de vida, diferente, que devemos guardar e reter, por isso mesmo, por ser diferente daquela a que estávamos habituados. E sim, para podermos acompanhar, nos reflexos que nos são exigidos pela tecnologia, não nos podemos esquecer de quão humanos somos, e que há um músculo que, tal como os outros, precisa de descansar e recuperar para ser bem exercitado,e ter a capacidade de constantemente se adaptar as diferentes velocidades que a vida tem para nos oferecer. Estranhamos a mudança, mas com o tempo, sabemos que é por ali que temos que caminhar, aos poucos, como os passeantes de domingo, que tanto adoram a ria de Aveiro. O passado, em certa medida, acaba por ajudar a compreender o futuro, e o presente, tem que ser vivido e absorvido, na sua plenitude e diversidade. Por vezes encontrar a âncora onde o segurar não é de todo fácil, mas também é bom que ande à deriva, até encontrar o porto seguro, onde a ancora vai ser lançada.

Janela de vidro com nuvem

02.05.17 | Delcy Reis

Quando era pequena e voava para alem fronteiras, a viagem trazia uma mística associada assim como um aperto de coração. Acreditava em todas as historias que me contavam, acreditava na imagem que concebiam do novo mundo que ia conhecer, criando um sentimento de não receio pelo desconhecido e diferente. Procurava recrear a imagem do que tinha contemplado durante o dia, nas imensas travessias dos continentes europeus, numa simples folha branca, com lápis de cor. E sabia passar horas assim, onde o tempo parecia que não queria passar. Na terra, a planicie sem fim ibérica, sempre pingada por oliveiras e sobreiros, onde o touro negro, no alto de cada montanha era o Wally do momento. Mas não tinha medo, tinha curiosidade. Só tinha medo que me ferisse o corpo. Na altura não entendia o que era uma ferida de onde não brotasse sangue, só conhecia essas pelas quais chorava pela dor, e pelo aspecto da ferida acho. Talvez também porque, por um tempo, deixaria de fazer algo que gostava (andar de escorrega), e ia ser diferente dos outros. Mas eles, sempre me fizeram sentir bem. E crescemos habituados a este conforto e apoio, a esta rede por baixo do céu de nuvens. Na viagem, a contemplar as nuvens, também me transportava, para uma meninice que hoje recordo com saudade, Pisar uma nuvem, a sensação de fofura, de suspensão e de levitação que naquele espaço poderíamos ter. A mesma que no tapete do Aladino. A mesma que no salão da Bela e do Monstro. Pular sem ter medo de cair, girar, sem querer parar. Paz quebrada. Estilhaço de vidro que corta o algodão doce.Não gosto. Entrou um pico no pé, de uma nuvem pisada. Agora, espero, pacientemente que a minha pele o expele, repele e despreze, para poder pisar a nuvem e sentir a sua fofura. Eu estava atenta, e escolhia a nuvem pequenina, que pisava com a pontinha dos dedos, que dava para planar mas não em grandes voos, para não ter medo da descida do tapete. Mas mesmo assim o pico entrou. Está na altura, de caminhar sobre a terra, húmida e grosseira, que traz vida, mas traz sujidão. Depois do pico sair, vou esfoliar o pé com um grão de terra. e vou agarrar a terra, para ficar com terra nas unhas, e na boca. Cheirar o humus, e sentir o arrepio da humidade e frio que transporta. Quando o pico sair, vou calcar a terra. Ate lá, não saio de casa, porque o pé, apesar de ser só 25% dos meus membros, é uma pequenez na pele que amo, e meu. E está a doer, tem um corpo estranho que o incomoda. Estimo o que me pertence. Por mim e para mim.

Spoil.

01.05.17 | Delcy Reis

"Spoil: To impair or destroy the value or quality of" palavra que tem vindo a fazer parte da minha vida de forma recorrente. é bom gerir expectativas, de forma a que o balanço seja equilibrado. Não viver no conhecido, viver na fantasia, pode ser uma má gestão de expectativas com base na omissão de informação. A expectativa, juntamente com a reta temporal são variáveis que combinam para o nosso equilíbrio. E quando, não as conseguimos controlar, ou elas não avançam ao nosso ritmo, portas se batem e fecham, suspiros se dão, caminhar desenfreadamente sem destino. Tinha em mim assente que, a vida era toda ela programável, e que o controlo existia sobre todas as matérias, que eu queria que fizessem arte da minha vida. Podia gerir todas as variáveis. Mas não, se bem que agora sim, agora consigo deter esse monopólio. Estive quase um ano sem ver televisão, e sem me aperceber da evolução dos nossos dias, e das baleias azuis, baleias rosas, acidentes, colisões, tempestades que passaram neste ano pelo globo. Sim, fui uma info excluida. Talvez para não ser tão recorrente o spoil :) Talvez, para reflexão. Talvez para refugio de tudo e de todos. Acreditava que o acontecer natural, que a evolução natural de qualquer relação humana, se moldava pela sua não previsibilidade, mas que a evolução existia. Hoje pergunto-me se, por vezes não somos forçados a imprimir a mudança, a rutura. Pessoas diferentes de meios diferentes, têm ritmos diferentes, expectativas diferentes, com prazos de validade distintos. A previsibilidade da vida, traz-nos conforto, mas também retira o desafio da mesma. O conforto individual, choca com a partilha ,a estabilidade é boa, mas a monotonia também enfada. Qual a fórmula? Qual o caminho? A pimenta tem que existir, e para existir, o ser humano tem que ser colocado à prova: primeiro por ele mesmo. Sempre por ele mesmo, provar-se e corroborar perante si próprio que é capaz, e nunca ser uma desilusão, primeiro para si. Se puder contar com a força e motivação de alguém melhor, talvez seja mais completo. Desaprendi isso tudo, desaprendi essa componente dual. Aprendo todos os dias a acreditar em mim, e depois em quem me rodear. O meu instinto sempre em primeiro lugar, havendo no meio, um espaço para a compreensão. É como em tudo, equilibrar, o presente com o passado, o delicado com o cruo, a simbiose com o antagonismo. É como em tudo, influenciando-nos pelos que nos rodeiam, e que nos constroem, como se fossem uma parte do nosso corpo, que vamos conhecendo e acariciando cada dia. E que, por vezes nos esquecemos e não sabemos manter. Nunca desistir daquilo que queremos fazer no momento. Conhecer uma senhora na Aldeia do Mato, que na sombra da sua casa, contempla. Sem qualquer expectativa, só contempla, e qualquer acréscimo que vier, em principio será positivo. Sempre que vejo alguém, numa aldeia porta fora a contemplar, pergunto-me o que pensam. Perguntei. E qual a serenidade na resposta, e qual a senioridade no olhar. Traços de vida, olhos verdes, pele morena, repugnar da tecnologia. Tal como em são Tomé, tirar uma fotografia para quê? A fotografia, procura absorver o momento, e não ser um postal. Mas, a memória, é tão melhor que a fotografia. Não dá para partilhar nas redes sociais, e absorve todas as sensações. O vento, os sons e cheiros. Cheiro a rio, cheiro a primavera, cheiro a rosa seca. Boa noite.

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