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Incompanhia

A companhia dos (in’s) INcerto INcoerente INconstante

Incompanhia

A companhia dos (in’s) INcerto INcoerente INconstante

A meio do mundo

31.03.17 | Delcy Reis

Espero que todos os meus textos vos tragam o mesmo conforto e equilibro que me trazem a mim. Acompanhada por um dos meus autores preferidos (MST), ele fez-me companhia na razão de escrever: escrevo porque transbordo emoções por cada pedacinho de vida diferente que tenho, porque tenho que partilhar estas boas vibrações, e não consigo ficar com elas só para mim. No autocarro para Porto Baleia, conheci o Carlos. Eu vinha a janela, a contemplar o cão grande, e a observar aquele grupo de pessoas, onde se via claramente que ele, era quem mais gostava de comunicar, de transmitir entusiasmo pela experiência que estava a ter. Ele, fez-me ver a mim. Querer partilhar tanto, com dificuldade em respirar. Estávamos os dois, a transbordar tanta felicidade, que a coincidência e a caída do telemóvel ajudaram. Falamos, e foi tão bom: ver nos olhos de alguém a experiência de visitar um país que lhe traz tantas recordações, da sua pequeninice. Conhecer alguém que não saia do seu país há 40 anos, e que tem um amor profundo pelo seu filho e pelas flores. Viemos o resto do caminho em conversa, onde a semelhança que nos aproximou foi a vontade de libertar a felicidade que a ilha nos trouxe, sem nos sentirmos muito diferentes, porque nesta característica fomos iguais. Andei em alto mar num barco de pesca, igual aos que fazem a travessia em cabanas de Tavira. Francisco, pescador e segurança nas Rolas sorriu porque o fiz sorrir. Cuma eeee? Tal e como aprendi no primeiro dia, a felicidade do seu crioulo e a tranquilidade da sua vida também se reflete na forma como prolongam a última sílaba de cada frase, à qual acrescentam um sorriso. Esse está sempre lá, assim como o sol e o vento. Para eles eu sou a Gacuela, não conseguem pronunciar o meu nome de outra forma. E eu gosto, faz-me de certa forma sentir em casa. Dias tranquilos se passam nas rolas, comendo caroço da caroceira na praia, e carambola na sobremesa. Dias tranquilos se passam nas rolas, onde inundo a paz deste sítio com gargalhadas profundas, e ele me inunda com a cor de cacau, que vou levar para casa. Dias cheios e felizes se passaram em São Tomé e nas Rolas, onde é concebida a eternidade, e o tempo, o passar do tempo só é notado, pelo regresso dos morcegos a casa, depois de uma jornada de trabalho na ilha de São Tomé. Pia Londe São Tomé. Seja-lovado.

Cuatela xi bo come e ca da foça

30.03.17 | Delcy Reis

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Boj Notxi. Hoje escrevo num dos crioulos de São Tomé. O forro, onde aprendi algumas expressões, não descorando o angolar e o principiense. Fui novamente guiada por um local, diferente, mas com as bases de promoção do seu turismo bem assentes: o cafe, o cacau, a fruta. O olhar partilhado ja foi diferente, com influencia ja ocidental, quer no modo de apresentar o seu pais, quer na forma de interagir com o turista. " o que a terra te da, come para te dar forca". Espero nao ofender, por algum erro, mas foi isto que retive da expressão que intitula este meu texto hoje. Fui conhecer o sul desta maravilhosa ilha, sem qualquer Googlada de imagens sobre o que poderia ser, apenas com a força dos locais, a descreverem que ainda era mais verde, conseguia ser ainda mais virgem, concepção que nao consegui criar no meu cérebro. Viagem sinuosa, onde pontos familiares são visitados e nomes de vilas, me lembram de casa: Angra, Ribeira Afonso, Boca do Inferno, sendo o objectivo final da viagem a Praia de Jale. Confesso, estive todo o dia a encontrar as melhores palavras para poder descrever, sujeitando o raciocínio a um processo de organização, começando pelas cores, depois pelas texturas, e depois pela mística. Cores, de um verde forte, amarelado, a pender sobre o mar, e um areal dourado pela chuva; um mar azul acinzentado pela intensa chuva derramado nas últimas horas. Sentir cada gota na mão, agua quente sobre uma pele suada. Inspiro.Novamente o cheiro a terra, castanha como o cacau. E claro que no meio do trajecto, Água Ize, nao passou despercebida, onde me assaltaram as recordações da planta pudica e do búzio de terra. Na Roça de água Ize, ouvi pela primeira vez, columbano, a distinção da raça mas sem qualquer carácter pejorativo, apenas uma constatação da minha diferença. Na Roça Água Ize, voltei a sentir o que e um dar de mão, se bem que mais pequena, e um puxar de saia, sentir que estava acompanhada, mesmo que por segundos. Na Roça, vi que as baratas pertencem ao ecossistema da produção deles do cacau seco, cheirei que o cacau, depois de seco e fermentado, tem mesmo aquele cheiro doce. Em Porto Alegre, conclui que a vinha de palma sabe ao vinho doce de la de casa, se a palma estiver mais madura; e que um sorriso, e a cultura de dar e receber faz com que sejamos sempre acolhidos. E a cultura de dar e receber, equilibra qualquer relação, mercantil, emotiva, basta que haja um humano. Havendo a troca ha sempre o equilíbrio e o bem estar. As altas palmeiras, que são os seus para raios, as folhas de mafaba que protegem da chuva, o pau sabão que ajuda a lavar a roupa. Cuetala. Sorri por uma merecida Rosa porcelana, e lambuzei o cheiro da Elanglang fresca na dominante roca de São João de Angolares, onde os tachos roçam. O acre do limão junto com o coentro selvagem, preparados pelo Edgar no Mionga, trouxeram outro sabor ao atum, ao xuxu cozido. A imagem do Cão Grande, a casa do patrão do Obo Parque, onde as nuvens lhe prestam respeito e, juntamente com as palmas, bananeiras e coqueiros, apresentam um cenário tropical para o qual, desculpem, nao consigo escrever e colocar aqui ou noutro suporte de escrita o que transmite. Só ouvimos a natureza, e somos no sul sempre vigiados por ele, o cão grande, que nos orienta, domina e trespassa. Sangue Mue, Amole Maxibin. São Tomé nao para de me surpreender e preencher.

Mucumbli

28.03.17 | Delcy Reis

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Sai a descoberta. Dia mais exigente, por ser apenas um grupo de não Locais, e um paraíso virgem a nossa frente. Mucumbli, esse sítio que achamos nao existir e sem fazermos um grande esforco para o encontrar ele deu nos as boas vindas. Começamos o trajecto por Gamboa, pequena vila, onde numa estrada sem saída, o que transparecíamos para um conjunto de pessoas que esperava, numa paragem de autocarro inóspita, eram as palavras 'Doce, doce' e 'boleia'. Pedidos tão simples, mas que lhes podem trazer tanto mal. Reporto ao dia de hoje, a mensagem que bebi e interiorizei: nao e assim que ajudamos São Tomé. Ajudar São Tomé, e ajudar um povo a perceber que e capaz, capaz de organizar e de dar valor a sua terra, nao os fazendo sentir menores perante o mundo. Tudo o que tem que colher agora, terá que o ser apenas pelo seu esforço, e nao pelo simples pedir de ajuda, pedir de bens materiais, pedir de vícios a um exterior, que lhes e desconhecido, e parece perfeito. Voltei ao presente, e a estrada, sinuosa e cheia de crateras, pulvilhada, no inicio de cada povoação, com porcos, cabras, cães e crianças. Focus, sorrir, acenar acreditar no bem. Não podia ser de outra maneira que passava por cada vila, se queria estar em paz. Queria praia, queria mar, queria liberdade. Primeiro avistar, um barco abandonado, uma praia paradisíaca, inexplorada, encantadora, de governadores ouriços do mar, que nao me deixaram pousar o pé em suas terras. O norte da ilha e banhado por planícies de vegetação baixa e seca, onde as queimadas são o equilíbrio do ecossistema. Paramos nos tamarindos, onde havia mais gente, disse o pescador de polvo. Liberdade total, e o propósito existente de estarem mais pessoas, pelas mesas de piquenique, mas apenas uma árvore centenária a pedir que nao a cortem, e que a amem, da mesma forma que ela nos ama a nos. So o mar, e o vento, e algumas canoas, bem la no fundo, com um vulto de quem procura algo no mar. Para a frente, so mais um pouco, descobrir. A porta do mundo do cacau biológico, pouco antes de chegar a Neves. Ali, em tempos muito comercio de cacau, exportações para um mundo, por um porão que, em tempos teve a sua estrutura elevada e com significado. Hoje, o complexo existe, mas falta a vontade, e a orientação. Crianças no meio da mata tropical, que nao percebo de onde veem, umas com a farda da escola, mas sempre com um sorriso, sempre com um aceno de mão. A janela aberta, o ar quente e húmido e o cheiro a terra, o braço fora da janela, cabelo flutuante. Mucumbli, obrigada. Uma bandeja de serenidade: contemplar uma orla costeira, plantada de coqueiros e bananeiras, onde no mar, ao invés de canoas, barcos a vela, onde a vela, essa vela, era um quadrado branco, no meio do verde azul. Que quadro esplendido e completo, porque este quadro, tem vento, som de papa figo e paladar. Paladar de um polvo com banana pão, paladar de vida e equilíbrio, Paladar de "leve leve". Em Mucumbli ficou um pouco de mim, e veio um outro tanto, ainda maior. O dia terminou com sabor a cafe: Pico do Mocambo e Gudi, com sabor a gravaninha, uma pitada de coco, gengibre e Maracujá. Descobri que a Granja, Sintra, Trás os Montes e Estoril tambem ca estão. Nos estivemos ca, e com eles sempre estaremos, pela língua, pelas rocas e tambem pelo doce, terno e caloroso recebimento que sabem dar. Hoje, estou grata. Mergulha e refresca, para o grande sul.

São Tomé

27.03.17 | Delcy Reis

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Novo dia, nova aventura. Desafio aceite de vir explorar África. Vários momentos, sim momentos e enquadramentos únicos. Explorar a mata tropical de São Tomé e ouvir o papa figo, apreciar a andorinha com a ponta branca nas costas e não ouvir nada mais que isso. Criamos uma ideia que esta pequena ilha tem pouca coisa para oferecer. Mas hoje aprendi com ela: as coisas pequenas e a vida com muita calma também é bom. Que contraste é, sairmos da nossa vida agitada e comunicar com gente que vive "leve leve". A forma de estar e viver dos locais, o FIB ( felicidade interna bruta) que todos eles têm de estar, e de admirar, porque só um sorriso, só a recordação de uma música nos fazem bem.Vi um homem brilhar os olhos, por se ter cruzado connosco e ter recuperado a memória de uma música da vida dele, no meio da sua história de roças e sanzalas. Eles que apreciam e veem e respeitam a mãe natureza, acreditam que ela, por si só lhes dá tudo o que precisam, e que por isso mesmo a devem preservar tal como se encontra. Desde a água com pau sabão, até ao esfregão biológico para lavarem a louça. E a nova geração que valoriza e não quer que o virgem do seu país saia desvirtuado pela intervenção dos países mais desenvolvidos. Na minha companhia, uma portuguesa africana, que ajuda e promove uma dinâmica diferente. Que me faz sentir não em casa, mas a ela como estando em casa apesar de não o ser. Um país onde cerca de 70% da população tem menos de vinte anos, e um guia turístico que sente a responsabilidade de cuidar dos mesmos e do seu futuro. Paramos na casa de Almada negreiros e apreciamos um peixe andála, arroz com flor de mosquito, lussua e flor de micoco. Depois descemos, com a companhia daquela música africana, ritmos quentes, e um vento húmido, com cheiro a terra a bater na cara. Sou surpreendida com um bonjour e cheiro a café. Amar a Terra e saber cuidar dela. Assim se cria o equilíbrio em São Tomé. E este, faz com que o resto do mundo se equilibre também. Hoje estive leve leve. E foi bom.