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Incompanhia

A companhia dos (in’s) INcerto INcoerente INconstante

Incompanhia

A companhia dos (in’s) INcerto INcoerente INconstante

Além do Tejo

16.04.17 | Delcy Reis

Uma viagem diferente. Para além do Tejo. Parti, de uma forma um pouco desgovernada. Havia um ponto de chegada, mas aprendi a caminhar o caminho. O conforto do Alentejo, com as suas cores de Primavera, e planícies polvilhadas de sobreiros, e sempre revitalizante. Fui, para respirar e conhecer, apreender e retribuir. É um destino turístico de apreciar, e que, do meus ponto de vista poderia ter ainda mais encanto. Por vezes devemos aprender a ver no simples, e cruo, o encanto que pode ter. E que tem. Acho que é um bom balanço, para o monte de cimento, tráfego e aceleração que temos no nosso constante dia a dia. Portugal tem espaços encantadores, e a nossa costa vicentina, tem pontos de vista onde, o roxo, o beje, o azul e o preto se cruzam num só enquadramento. Poder-se-à notar que, a conotação de esquerda, de algumas daquelas vilas, promova um equilíbrio diferente daquele a que estamos habituados, principalmente pela força da componente ecológica, e pela força agrária presente nesta região. Contudo, e aqui susceptivel de não ser concordante, acredito que o equilibro social se sustém, principalmente na dimensão ecológica, cultural e social da região, onde riqueza, o progresso tecnológico, e o alcance de um melhor nível de vida, se consiga a um ritmo distinto, daquele que, segundo a perspectiva de nos encontrármos no Alentejo, é imposto numa cidade, acima do rio Tejo, que acredito que separa este ruído. E a propósito, retive Catarina Eufémia, jovem ceifeira, que na época salazarista, procurou reivindicar um aumento salarial de 2 escudos e foi alvejada a tiro, por querer fazer valer o seu valor, enquanto contributo que era para a sua terra, terreno, e região, assim como para a sua família. Liberdade de expressão, da qual benefício, neste momento é me permite expor, em certa medida aquilo que retive destes dias, assim como opinar sobre o que acredito que poderia ser melhor: preservarmos o nosso país, travarmos em certa medida que, no breijao, exista o supermercado que desvirtua a região, e lhe tira o seu encanto. O equilíbrio agrário, e ecológico que é tão defendido, não deixando que a exploração de frutos vermelhos aconteça de forma descontrolada, e faça com que o azul do mar deixe de conjugar com o roxo da lavanda. Não nos esqueçamos dos nossos costumes, dos nossos cânticos. Deixemos a evolução entrar, mas nunca, nunca nos esquecamos das nossas origens, que têm valor e devem ser preservadas. Não deixemos de comer o nosso peixe, porque apareceu a pizza. Não estou a pedir para nos fecharmos ao mundo, como em tempos o fomos, fechando toda e qualquer liberdade, mas que esta abertura seja controlada e ponderada. Para poder mostrar as próximas gerações, o horizonte infinito que abraço e adoro, de cada vez que vou além do Tejo. É claro, já na altura ele sabia, Jose Afonso, a formiga do carreiro, sempre que forçada descobrir, sempre que formava um carreiro, e estando em sentido diferente, teria sempre sempre que se ajustar, porque sempre que furava, sempre que andava na roda da vida, sempre que caía ao Tejo, avisava o formigueiro, que o carreiro já teria mudado, e para continuar nele, teria que se ajustar. Ainda hoje o formigueiro, procura encontrar o carreiro, sendo que hoje, ele já não está marcado, pelas patinhas dos seus antepassados.

Freedom is a way of not feeling fear

09.04.17 | Delcy Reis

Este poderá ser um texto bastante controverso. Escrevo sobre uma artista, mãe, mulher, preta. Escrevo sobre uma pessoa que lutou durante vários anos contra o sentimento de perda: perda de crença no seu país, na não diferenciação da sua raça, e crença neste valor mesmo com a queda de um dos seus fortes pilares, na altura ( Martin Luther King). Frase, repetida, I'm a woman, and I'm black, and no one's gotta take it from me. Personalidade forte, com mensagens fortes e intensas em músicas como Four Women, Save Me, ou até mesmo a marcante Mississipi Goddam, massacre que aconteceu naquela terra, envolvendo a discriminação de raça sobre 4 crianças. Uma mulher forte, que soube superar um cancro de mama durante anos. Uma mulher que se soube valorizar, em Ain't Got No, assim como valorizar e compor uma música com tamanha complexidade sonora e profundidade a qual, acrescentamos uma voz super versátil,que percorre o soul e o gospel. Controlava a sua criação, pelas suas mãoes e pelo olhar visto, sempre que ia a um estudio, dizia para terem calma, olharem para ela e seguirem o que ouviam, que tudo ia correr bem. Não conhecia a história de Nina, e depois de a conhecer, apeteceu-me escrever, pela influência que teve na sociedade na altura, e pela influência que também, com o seu legacy, vai certamente deixar na minha pessoa: como forma de se proteger de qualquer ser humano, era bruta e assertiva, pela independência, controlo e poder de decisão que queria e gostava de ter na sua vida, por acreditar muito em si e na força que tinha em fazer valer os seus ideais. Pela constante dificuldade em confiar a sua vida a outra pessoa, pela exposição mediática que tinha, e por estar rodeado de interesse económico, que desrespeitava muitas vezes a sua cultura, a sua criação e que a levou a loucura. É mais um exemplo de que a diferença, por vezes, se bem conduzida, pode levar a mudança, e que essa conquista não foi feita sozinha, mas pela sua obra, criação onde a luta pelos mesmos direitos civis da sua raça e a não diferenciação de género, foram as bases. Não pretendo reforçar a discriminação de género, cultivar qualquer extremismo de género mas antes, exprimir a admiração por toda a sua criação que nos deixou, pela classe com que sempre se apresentava publicamente, e que tratava a música da mesma forma que eu a vejo: uma verdadeira obra de arte, que merece , sempre que é ouvida, toda a sua atenção. Uma mulher que, apesar de todo o envolvimento político e social dos anos 70, sobreviveu e nuca deixou de acreditar nos seus valores, e nas suas capacidades. Reportando-nos aos dias de hoje, teria um enquadramento diferente, onde o fosso social de raça acabou por quase desaparecer, mas outros desníveis creio que ainda têm possibilidade de melhoria. Tudo se prende com o egocentrismo, e com a forma como nos protegermos da comunicação menos positiva de outros seres humanos, não permitindo que a mesma invada o nosso bem estar, e a nossa segurança. Tudo tem a ver com gostarmos muito de nós, e termos força e rebelia para não largarmos essa força. A liberdade permite-nos viver de outra forma, não existindo opressão, sendo controlável por cada um de os indivíduos, ajustada à sua medida. Curioso, Nina , sempre que compunha/ criava sentia-se equilibrada. O importante é conhecermos os nossos pontos de equilíbrio e trabalhar os mesmos, de forma persistente e acreditarmos, que somos sempre capazes de aceitar tudo o que de novo e diferente nos apareça, de forma saudavel que Nina provou por vezes não ser fácil de conseguir, visto o seu refugio ser a extravagancia, o álcool e o tabaco. Será que por sermos muito ambiciosos na nossa vida profissional, o equilíbrio oposto é também extremado? .

Ser vivo

06.04.17 | Delcy Reis

Senti-me pousada num pedaço de terra cortado pela água, olhando um sem fim azul, com olhos de gaivota num voo onde pairava no ar, flutuava ao sabor do vento, fresco intenso e com cheiro a mel salgado. O sal na boca, húmido e doce, reavida recordações de Verão. Saudades da criancice. A procura. A busca do prazer refrescante do mergulho. O silencio do mar, o corpo fresco, a mente limpa, descansada, em paz, onde apenas me ouço a mim, pelo bater da minha máquina robusta, que persiste em continuar a trabalhar. Máquina? Corpo que anseia o toque, a uma mão pousada na pele. Salpico de água dá sensação, as gotas retidas na pele aveludada refletem a pureza do sol, do azul. Grão de areia dá sensação, como açúcar polvilhado em bola de Berlim. Hmmm. Bola de Berlim. Tal como o beijo, aquele beijo, o primeiro de todos, que nos desperta a vontade de um amor possível, e a adrenalina do desconhecido, que quero descobrir. Pára. Sente. Sente! Ouve o som da água a jorrar da tua mão para a areia, e as bolhinhas que se formam nela, percorrendo todas aquelas pedras, de variadas cores, que acaricia as conchas que foram cuspidas pelo mar, cuja canção de embalar as trouxe a um ponto de viragem que é o teu. A gaivota e a conha deixaram-se sentir, deixaram-se contemplar, deliciaram-se com a melodia da vida, tiveram medo. Sim tiveram medo. Talvez quando estavam sozinhas, talvez quando era escuro, talvez quando sentiram que já tinham viajado imenso, contemplado tudo, descoberto o erro, esgravatado as algas. A ferida da viagem é não saber desfrutá-la e saboreá-la na sua plenitude. A ferida do beijo, é saber que não vai existir mais. A ferida é não saber acreditar. A ferida é não saber viver. Vive.Já.

Mocambo com sabor a Gravana

03.04.17 | Delcy Reis

Diga bom dia com Mocambo. Neste caso, falemos de duas boas noites. Uma casa estilo francês, bastante pitoresca, com uma escadaria principal. Subimos e entramos num espaço cultural em São Tomé. Um projeto, um sonho é uma ambição de uma geração empreendedora que acompanha o sonho inicialmente estabelecido de explorar uma das riquezas da ilha: destilar rum a partir da cana de açúcar. Vontade e força. Vontade de vender o seu país e força de manter e acreditar no projecto. Este espaço, e a pessoa que o leva deu a conhecer os sabores e perfumes de São Tomé: maracujá, café, cacau são as bases principais. Gudi fez-nos sentir em casa, da primeira vez que pisamos o espaço, onde vimos o mapa que nos uniu, a esta terra que está tão longe, mas pelas pessoas e pela língua fica tão perto. Hoje é dia de regresso, ao nosso mundo formatado. Tive o privilégio de ter anfitriões, que nos receberam na sua casa, chamada ilha e que, fizeram por me manter o sorriso até a porta de embarque. Até aqui o violino chegou, marcando a sua presença no gosto musical. E a peça que também alimenta a diferença do resto da ilha, e que enquadra um ambiente tropical, de uma forma diferente; um espaço cultural com história, a ponte com as suas origens e o caminho para o futuro de gerações. Cada uma das gravaninhas traz uma sensação diferente: a paixão tropical do maracujá, o atrevido do gengibre, o quente do café, profundo, e o cacau sempre sensual. A intensidade, a paixão que vibra sobre São Tomé, no primeiro degrau desta casa, combinado com um excelente gosto musical, que nos transporta para um São Tomé diferente. Trouxe a sublime comigo, e de tão sublime que é, em todos os momentos que a partilhar, vou também partilhar com São Tomé, que é também cana de açúcar. Porque, de facto, foi sublime.